Venho fazendo um debate, desde o inicio do curso, sobre a relação direta existente entre legislação, Políticas públicas , cultura de inclusão e exclusão e barreiras atitudinais. Retomo esta questão e pretendo aqui ser mais claro e provocar um debate de maior folego sobre a relação intrínseca existente entre os tópicos elencados a cima. Tenho dito, desde, o primeiro momento que o arcabouço jurídico é imprescindível para que os direitos sejam cobrados. Digo cobrados porque não necessariamente a existência do direito garante a sua execução. As leis, no Brasil, são flagrantemente desrespeitadas e sempre temos que brigar, passar por antipáticos, barraqueiros e outros esteriótipos que são atribuídos às pessoas que lutam pelos seus direitos, exercendo a cidadania.
Finalizei o 1º parágrafo com o termo cidadania para também, construir a relação existente entre cidadania e direitos e quero dizer que muito mais cidadãos são aqueles que não lutam pelos seus direitos, exclusivamente, mas conseguem ter a empatia e a consciência da existência da necessidade de lutar pelo direito dos outros. De fato penso que o verdadeiro cidadão luta pelo direito dos outros. Mas infelizmente, essa prática ha muito entrou em extinção. Recorro ao Jurista positivista alemão, que na obra intitulada Der Kampf ums Recht") traduzido para o português ( A luta pelo direito ) coloca, na luta pelo direito, a essência da construção da cidadania.
E é nesta relação entre a Luta pelo direito e a construção da cidadania que podemos começar a discutir a relação entre a Legislação e as políticas públicas, que irão gerar a construção da cidadania das pessoas em geral, e neste debate, especificamente, da pessoa com deficiência. Sendo no debate que estamos realizando, o direito, do ponto de vista normativo, ou seja a legislação, resultado da luta da sociedade pelos direitos das pessoas com deficiência , de seus familiares e daqueles que defendem os seus interesses.
Entra aqui mais um elemento fundamental, desta discussão, a luta política. A luta política que as pessoas com deficiência vem travando ha um bom tempo, a luta que reivindicou a substituição dos atos de caridade pela conquista e exercício dos direitos, tendo ganhado consistência e força nos idos de 1970. E essa luta política que vai conduzir a conquista do arcabouço jurídico e que vai criar as condições para transformar a legislação em direitos, de fato, e em políticas públicas executáveis. Não podemos pensar as conquistas sociais fora do contexto da luta política. Pois existem diversos interesses em disputa na sociedade e a pressão ( luta política) é fundamental na construção das prioridades.
Finalizada esta etapa do debate, em meu texto, passamos a discutir as questões abordadas a cima com as questões culturais: inclusão , exclusão e barreiras atitudinais. A legislação um dia foi construída a partir da luta política dos movimentos de defesa e representação dos direitos das pessoas com deficiência e nesta nova etapa da luta política, se faz necessário lutar pela execução da legislação construída, pela elaboração de novas leis e pela construção das politicas públicas, que possam consolidar a conquista dos direitos das pessoas com deficiência. Dentro de todo esse processo, também, deve estar o processo de transformação / revolução da cultura da sociedade. Esta revolução cultural será construída, dentro dos elementos relacionados ao arcabouço jurídico nacional e internacional, mas não, exclusivamente, neles, pela elaboração das políticas públicas e, sobretudo, pela construção de uma nova consciência social. A construção dessa nova consciência social, também será construída nas escolas, através da educação e mais uma vez da luta política, que entendo ser imprescindível, para dar visibilidade social a problemática e para sensibilizar, junto com outras ações, as pessoas que vivem na e constroem a sociedade no dia a dia. As legislações existem , mas elas, por si só, não irão garantir os direitos.
Agora sim, podemos construir a relação de todas as questões abordadas a cima com as charges 1, 2 e 3, que abordam com inteligência ironia e sagacidade a dura realidade vivenciada no cotidiano pelas pessoas com deficiência. Essas pessoas que conquistaram direitos no papel , mas que constantemente ainda tem que lutar para que gestores públicos e pessoas comuns, não cidadãos, respeitem e garantam esses direitos. Quantas vezes não nos deparamos com a necessidade de pedir nos ônibus, sem escapar de um bate boca, para que as pessoas, que estão indevidamente ocupando o lugar, se levante do assento que está reservado para idosos e pessoas com deficiência. Um dia estava em uma fila na casa lotérica e me deparei com a situação do revezamento, no atendimento, pelos caixas, ora atendiam uma pessoa com deficiência, idoso, ora atendiam outros usuários, que não possuem as características descritas. Nesta ocasião, questionei a prática, dizendo que eu não iria ser atendido ,nesse formato, pois a legislação garantia direito a caixa especifico as pessoas com necessidades especiais. Fui surpreendido, positivamente, com a recusa de outros usuários ao atendimento, no formato descrito. Ali houve uma construção coletiva da quebra de barreira atitudinal e, a ponta do iceberg, de uma mudança cultural e quebra de barreiras atitudinais. Quando todos nós formos sensibilizados para sermos cidadãos capazes de lutar pelo direito dos outros, não nos importando com os esteriótipos, que serão construídos sobre nós: barraqueiro, antipáticos, adora uma confusão e o "mais recentemente criado: comunista". Estaremos revolucionando esta cultura de exclusão e construindo a cultura inclusiva e evitando que a prática do não reconhecimento da capacidade das pessoa com deficiência e o fim das barreiras atitudinais, tão bem retratadas, nas 3 charges sejam superadas. Por tudo, finalizo dizendo que não podemos perder a capacidade de nos indignarmos e que devemos endurecer sem perder a ternura já mais ( "Hay que endurecerse , pero sin perder la ternura já mas" ) para que possamos ser verdadeiros cidadãos.